Quem trabalha com fidelização ou entendimento do que importa ao consumidor levou três sacudidas em 2025. Em janeiro, a Nestlé recolocou o Chocolate Surpresa nas prateleiras — desta vez com cards digitais e um minijogo no Roblox — e viu o estoque evaporar em poucos dias. No mesmo mês, a Warner Bros. iniciou uma campanha de alcance global para o novo filme Superman, com teasers, ativações em Super Bowl, Puppy Bowl e a promessa de um “Summer of Superman” até a estreia em julho de 2025; o hype começou ainda em janeiro e não arrefeceu.
Já em março, a Globo lançou o remake de Vale Tudo, trazendo Taís Araújo e Débora Bloch para revisitar a eterna dúvida “vale a pena ser honesto?” diante de um público que correu ao Globoplay para rever Odete Roitman.
Nenhum desses movimentos mira prioritariamente os adolescentes ou jovens adultos: todos falam diretamente ao brasileiro 40 +, faixa etária que já representa parcela crescente da população e detém boa parte da renda disponível, segundo séries recentes do IBGE.
A explicação está na “janela de formação”: entre os 12 e 18 anos criamos vínculos afetivos duradouros. Quem cresceu nos anos 80 e 90 conviveu com poucos canais, produtos-ícone concentrados e uma memória coletiva quase unânime; cada relançamento de hoje reativa essas emoções de forma quase automática. Soma-se a isso o poder aquisitivo tardio — muitos podem finalmente bancar o que desejavam na infância — e um cansaço genuíno diante de quinze anos de novidades incessantes. Quando tudo parece novo demais, o familiar vira diferencial competitivo.
E aí pode residir um grande ponto cego dos programas de fidelidade: grande parte das mecânicas ainda é desenhada para o “pico de consumo” dos 35-45 anos: milhas para Orlando, upgrades de streaming familiar, cashback em fast-fashion. Aos 55 ou 60, o cliente passa a valorizar check-ups, curadoria cultural ou serviços de conveniência. Quando o catálogo não acompanha essa virada, instala-se um churn silencioso: o cadastro continua, mas o gasto migra para quem dialoga melhor com o estilo de vida atual. E a nostalgia pode estabelecer essa ponte.
Para transformar saudade em resultado, o programa precisa envelhecer junto com sua base. Atualizar benefícios por ciclo de vida — criando trilhas “Silver” com saúde preventiva, experiências “soft luxury” e concierge — é o primeiro passo. Na sequência, vale transformar ícones culturais em pontos de encontro: quem entrou no licenciamento da DC para o Superman certamente vai ganhar dinheiro com os pais que se lembram de Christopher Reeve fazendo a terra girar ao contrário para salvar Margot Kidder (não estou contando spoiler de um filme de 1978, estou?). E esses pais compram em dobro, porque querem se conectar com os filhos.
Quando os benefícios entendem as fases do envelhecimento do cliente, o lifetime value se prolonga naturalmente. Segmentações guiadas por memória afetiva revelam clusters que escapam da demografia pura, enquanto a voz ativa do público 40 + — ainda decisiva nos grupos de família, no boteco e no LinkedIn — multiplica cada experiência bem-sucedida, reduzindo o custo de aquisição.
No fim das contas, nostalgia não é fuga do presente: é capital afetivo pronto para virar recorrência. Quem aprender a falar a língua dessas lembranças, sem escorregar no saudosismo, manterá o consumidor fidelizado pelos próximos anos — enquanto ele soma pontos, completa figurinhas e reserva lugar na estreia do Homem de Aço.