PEDI UMA CAIPIRINHA DE LIMÃO SEM CASCA. O barman não perguntou o motivo. Preparou com naturalidade como se fosse um pedido comum. Dias depois, em outro bar, repeti o pedido. O barman respondeu com uma ironia: “Sem casca? Aqui não. A gente faz como tem que ser feito.” Não era apenas uma negativa, mas um gesto corretivo. Como se eu tivesse proposto um erro, uma heresia contra a tradição alcoólica.
Voltei ao mesmo bar, em outro dia, curioso para entender se o problema era do garçom ou da casa. Pedi ao gerente. Ele respondeu, com voz doce e cínica: “Claro que não. Por que faríamos isso?” Expliquei que a casca traz mais acidez. Ele me interrompeu com tranquilidade: “Isso é lenda urbana.” Respondi que já tomei com e sem e, no meu paladar, não é lenda urbana. É uma questão de gosto.
A explicação não serviu para abrir uma exceção. Serviu para o gerente se posicionar: eu era o leigo, o cliente que pede errado. A recusa poderia ser operacional — casa cheia, manutenção dos processos visando qualidade e rapidez. Mas o que ele transmitiu, com ar de certeza pedagógica, foi que o pedido em si era incorreto. Um capricho sem fundamento.
Essa postura não é rara. Em muitos estabelecimentos, o cliente ainda é tratado como um aluno: deve ser ocorrigido e disciplinado. O problema não está em dizer “não”, mas em dizê-lo com superioridade.
É justamente aí que se desenha a linha entre os modelos de serviço. No McDonald’s, por exemplo, a padronização é a proposta de valor. O lanche vem como deve vir. Você até pode pedir sem picles, mas não reinventam o produto. A operação é desenhada para a repetição. Já no Subway, a lógica é oposta: o cliente monta seu sanduíche. A estrutura existe para acolher desvios. O Spoleto vive da mesma premissa. Ali, personalizar não é exceção — é regra.
Nas padarias, reina o meio-termo. O chapeiro aceita que você monte um misto com queijos diferentes, com ou sem tomate e orégano. Até se faz croissant na chapa. O menu é sugestão, não imposição. O improviso faz parte do jogo, não por estrutura operacional, mas por cultura. Em alguns lugares, escutar é parte da rotina. Em outros, escutar é incômodo.
O raciocínio da padronização é compreensível em redes industriais. Mas, e nos pequenos comércios? Por que, em alguns lugares, o cliente pode montar seu lanche e, em outros, não? Algumas empresas dizem que são centradas no cliente, mas, na prática, isso vale apenas quando ele se comporta como esperado. Quando ele pede algo fora do script, começa o desconforto.
Há, também, o paradoxo moderno: muitas empresas vendem o discurso da personalização, mas odeiam a exceção. Investem em tecnologia para parecer flexíveis, mas operam como telemarketing. Dão ao cliente a ilusão de escolha, desde que ele escolha entre as opções pré-programadas. O cliente pode pedir tudo — desde que peça direito.
Voltemos à casca do limão. Um detalhe, mas que, em poucos segundos, separou dois mundos: o da escuta e o da correção. Um lugar aceitou sem hesitar. Outro rejeitou com deboche. O terceiro corrigiu com aula. Não é sobre a casca. É sobre o que ela revela. A forma como um negócio responde a um pedido simples diz muito mais sobre ele do que qualquer propaganda sobre cliente no centro. E, quando um pedido desperta desprezo em vez de curiosidade, talvez o problema não esteja no cliente, nem na fruta, mas na arrogância com que se julga o gosto alheio.